sexta-feira, 3 de abril de 2015

Arrábida mística, na santa sexta feira...

São centenas as pessoas que, organizadas em diferentes grupos, se juntam todas as Sextas-feiras Santas para percorrer os trilhos serranos entre Vila Nogueira de Azeitão e o Portinho da Arrábida. Um costume naquela vila, que vem desde tempos imemoriais.
Há quem se recorde dos seus bisavós a subir as escarpas da serra com uma mula, para participar nas cerimónias pascais do Convento da Arrábida. Mas a origem da caminhada pascal também pode estar ligada aos percursos que os monges faziam entre o convento e a vila, para se abastecerem de víveres, ou à tradição dos "círios", ou "sírios", a Nossa Senhora do Cabo Espichel.
Em sexta feira santa, um convite para a mágica e mística Serra da Arrábida ... era portanto irrecusável. Particularmente se vindo, como veio, de quem a conhece quase como a si próprio... J.
Quando, pelas nove da manhã, nos juntámos assim mais de vinte amigos em Azeitão ... a vila fervia de gente. Eram largas centenas de caminheiros, escuteiros, fuzileiros e outros forasteiros que ali se juntavam para a travessia da serra. O nosso mentor, contudo, tinha-nos reservado uma actividade mais tranquila, ao sabor do que nos fosse apetecendo.

Lapa de Santa Margarida, 9:55h - Tinha começado
uma caminhada mística, na mística Serra da Arrábida
A jornada começou na Lapa de Santa Margarida, onde se encontra uma capela do século XVII que guardava as imagens de Nª Srª da Conceição, Stº António e Stª Margarida. Neste lugar faziam-se muitas peregrinações nos séculos passados, principalmente os sírios dos pescadores, vindos nos seus barcos engalanados de todo o lado, e o ambiente tornava-se festivo mas de autêntico recolhimento espiritual.
Em frente da lapa, existe um penedo sobre o qual D. Álvaro de Lencastre, Duque de Aveiro, passava horas nas suas pescarias, ficando assim conhecido como o Penedo do Duque. Conta-se que ali apareciam monstros marinhos que apavoravam as pessoas, com metade do corpo humano e metade com caudas de peixes, cujas narrativas Damião de Góis recolheu e incluiu na sua obra Urbis Olisioponis.

O "meu" velho Portinho da Arrábida
A partir da Lapa de Stª Margarida, atravessámos o "meu" velho Portinho da Arrábida. Por momentos, pareceu-me recuar mais de 40 anos no tempo. Quantas vezes acampei naquela praia, na velha duna que a fechava a nascente, frente à velha Pedra da Anicha! Mas o "meu" velho Portinho da Arrábida esconde tesouros e segredos que o tempo guardou, para me serem revelados nesta minha nova "juventude da vida", com os meus novos companheiros de "aventuras" ... pelo meu "irmão" para quem a Arrábida é verdadeiramente mágica e mística! Efectivamente, foram precisos mais de 40 anos para vir a conhecer a Fenda da Arrábida, afinal ali bem perto de onde tantas vezes descia, entre a praia e a estrada "nova" que ligou o Portinho a Galapos e ao Outão.

O Portinho e a Anicha, do trilho que sobe em direcção à Fenda da Arrábida
No
interior da mágica Fenda da Arrábida
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A fenda da Arrábida é uma formação geológica que assume a forma de autênticos corredores entre paredões rochosos verticais. Teve origem na disposição estrutural entre os calcários do Miocénico sobre os do Jurássico, que associado a uma forte erosão resultante da vertente resultou no escorregamento da parte inferior e no tombamento das camadas Jurássicas.



Praia dos Coelhos, entre o Portinho e Galapos
Regresso ao Portinho da Arrábida
A pausa para almoço foi na pequena Praia dos Coelhos, encravada entre o Portinho e a praia de Galapos. Pelo Creiro, regressámos ao Portinho, não muito longe da velha "fonte da paciência", na qual passávamos horas a encher os cantis ... nas velhas "aventuras" de há mais de quatro décadas.

Estação
arqueológica do Creiro
E estamos de novo
no Portinho da Arrábida
Convento da Arrábida ... ou as memórias de Frei Agostinho da Cruz...
Regressados ao Portinho, a mística da Sexta Feira Santa obrigava-nos a subir ao Convento da Arrábida e a recepcionar a energia das místicas cruzes de Monte Abraão, ali ... onde as nuvens de trovoadas se desfazem ou se afastam umas das outras, como se uma força interna as forçasse a isso. Ali ... no "triângulo magnético", com o vértice voltado para baixo, que confere ao local uma poderosa energia que transmite a boa sensação de paz e de bem-estar a quem ali se vai extasiar! Aliás, na Capela do Bom Jesus, dentro da área do Convento, as bússolas não funcionam; por alguma razão ela foi construída naquele lugar...

O calvário das três cruzes místicas de Monte Abraão
Rumo à luz do Sol poente...
Sobre o imenso oceano...

(Frei Agostinho da Cruz, Elegia II)
                                 "Daqui mais saudoso o sol se parte;
                          Daqui muito mais claro, mais dourado,
                          Pelos montes, nascendo, se reparte."
E, com o Sol a começar a partir ... demos por finda esta bela jornada por terras da Arrábida mística, na santa sexta feira. Sem dúvida mais um enriquecimento, nesta Serra mágica tão perto da grande urbe.

1 comentário:

Blue disse...

Muito bom.
Belas fotos
Excelente crónica e relato das tradições como sempre.
Obrigado.
Grande Abraço