domingo, 8 de março de 2015

Pelo Gerês com Alma ... e à memória de um grande Amigo!

Dez dias depois de perder a Mãe que me gerou ... eu precisava de voltar a escalar as minhas montanhas, ouvir o zumbir do vento, admirar o brilho das Estrelas ... eu precisava de voltar à Terra Mater!
Junto à Fonte das Letras, Arado7.Março.2015, 9:35h
Nove "Montanhistas Livres" (e a Heidi) vão calcorrear o Gerês profundo
Se as ondas voam com o vento,
Levando nelas saudades
Levai-me neste lamento
Livrai-me destas vaidades.

Cá, o que sinto não chega
Pra me afastar do que sinto.
Sinto uma dor que se apega
No meu coração faminto.

Fome de amor por alguém
Dor que arde, não aguento.
Levai-me lá para além
Eu quero ir com o vento!
(José Antunes Fino, 28.Fev.2015, à memória de minha Mãe)
E o vento ... levou-me "lá para além" ... para o meu amado Gerês! Agendada há largos meses, para o passado fim de semana estava destinada uma actividade que, só por si, já tinha o "rótulo" de carismática. O objectivo era ... calcorrear o Gerês, em autonomia, durante dois dias, guiados ... pela Alma de Montanhista, a grande mulher que um dia se entregou de Alma e coração àquelas serras, àquelas fragas, às rocas e às corgas, aos prados e currais do seu amado Gerês ... do meu amado Gerês!
Meu querido Luís Fialho, dediquei-te a contemplação da
eternidade, estiveste comigo na imensidão do Gerês profundo
Os dias amargos de um mês de Fevereiro verdadeiramente diabólico fizeram-me partir para esta "aventura" em busca de um recarregar de baterias. Mas a roda da Vida e da Morte ditou que, ao mesmo tempo que eu partia para o Gerês, um grande Amigo, um grande Homem, um grande Ser Humano ... partisse desta Vida! E partiu ... a cumprir um sonho, o sonho de subir ao cume da montanha mais alta de Portugal, a montanha do Pico, Açores, a montanha que já subi por duas vezes. O Luís cumpriu o seu sonho, mas, já na descida, o seu débil coração não aguentou a pressão que lhe exigiu. Seguramente morreu feliz ... mas vivi estes dois dias a vê-lo em cada roca, em cada carvalho, em cada corga, em cada estrela na imensidão do céu, na imensidão da eternidade.
O grupo tinha de ser forçosamente pequeno, num percurso que teria tanto de surpreendente como de surpresa ... já que só a nossa "White Angel " sabia para onde íamos, onde nos íamos extasiar. Nesse pequeno grupo de amigos, para além dela estiveram comigo dois amigos que são mais do que amigos ... são dois Irmãos, daquele que foi verdadeiramente o "Caminho da Aventura".

O vale do Rio Conho, visto de próximo do Cutelo de Pias
Desde pouco acima da ponte do rio Arado, subimos em direcção à Corga da Giesteira e à Chã de Pinheiro ... até que a Roca Negra e a Rocalva nos surgiram no horizonte. Ali, naquele êxtase granítico, as lágrimas correram-me livres pela face ... o pensamento voou livre para a imensidão da eternidade.
Ali, no mais profundo do "meu" amado Gerês, sonhei ver o sorriso contemplativo do Luís. No silêncio ... ouvi-o nitidamente, ouvi as suas palavras sábias, explicando a formação da imensidão granítica em que me encontrava. No silêncio ... sonhei ver-lhe a felicidade estampada no rosto, menos de 24 horas antes; ele tinha, finalmente, cumprido o seu sonho de subir ao Pico!
Entre a vida e a morte, há apenas o simples fenómeno de uma subtil transformação.
A morte não é morte da vida.
A morte não é inação, inutilidade.
A morte é apenas a face obscura, mínima, em gestação
de uma viagem que não cessa de o ser.
(Casimiro de Brito, in "Solidão Imperfeita")          
A caminho da imensa mole granítica da Rocalva e do Cutelo de Pias
No Prado da Rocalva ... seguramente um dos paraísos na Terra...


O Cutelo de Pias ficou para trás,
na Primavera antecipada dos prados da Rocalva
A subida à Meda da Rocalva não é fácil. E nunca foi minha paixão a escalada propriamente dita; gosto de sentir a segurança nos pés. Do grupo de 9, eu e mais 3 ficámos na base ... juntamente com a Heidi, a cadelinha montanhista que sempre acompanha a sua dona "White Angel".

Subida à Meda da Rocalva ... para alguns...
Panorâmica do patamar base da Rocalva para nordeste
Foram momentos emocionantes, os momentos de nítida e sentida preocupação da Heidi, ao ver a sua protectora desaparecer lá para os cumes de uma rocha para ela inacessível. Ela descia, subia, ladrava, como que a chamar; tentei acalmá-la, dizendo-lhe que a sua dona já vinha ... a certa altura positivamente abraçou-se a mim, como que numa súplica por fazer algo. Quando por fim a viu ... foi indescritível a felicidade que nos transmitiu. Irracionais? Irracionais são infelizmente muitos seres ditos humanos...!

A caminho do Iteiro de Ovos. É só seguir a própria sombra ... e as águas que correm sobre o granito milenar...
Vista do Iteiro de Ovos para sul. A Heidi contempla o horizonte...
Da Meda da Rocalva inflectimos para sudeste, rumo ao Iteiro de Ovos. Sob a mole imensa do Coucão, estávamos bem no coração do Gerês profundo. E o dia deu lugar à noite, sob um céu repleto de estrelas, dando lugar à maior e única viagem no tempo, contemplando a eternidade, quem sabe se contemplando a origem do próprio Universo. Ali, naquele ermo perdido, na imensidão do espaço e do tempo ... eu vi ou pensei sonhar com duas novas estrelas no firmamento. As lágrimas, essas rolaram grossas e firmes.
Obrigado Anabela, pelo firme apoio naquela hora. Obrigado Vítor. Obrigado Dorita. Obrigado Amigos!

E do dia se fez noite ... e da noite se fez um novo dia...
Numa manhã sublime e estando tão próximos, a nossa guia não podia deixar de levar o pequeno grupo ao espectacular "miradouro" das Velas Brancas. Bordejando a cabeceira da Corga do Salgueiro, às nove e meia da manhã estávamos debruçados sobre o profundo vale das Fichinhas. Lá ao fundo, a poente, lá estava o meu velho "amigo" Curral do Conho, da minha primeira autonomia a dois e não só. Aos meus pés, a cabana das Fichinhas e as águas do Rio Touça, os locais mágicos onde igualmente levei a minha "princesa" arraiana, no ano seguinte. Ao fundo, as Albas apontavam os seus "dedos" aos céus.

Velas Brancas, sobre as Fichinhas e o vale do Rio da Touça. Ao fundo, à esquerda, as Albas
I believe I can fly...
Vale do Rio da Touça, com Porta Ruivas ao fundo 
Para oeste, ao fundo, o Curral do Conho
Regressados ao Iteiro de Ovos, o rumo era agora sempre para sul e poente. Cruzado o "estreito" entre os vales do Rio do Laço e do Rio Conho, o regresso era já todo ele meu "velho" conhecido: Pradolã, Pousada, Pinhô, Ponte de Servas, Tribela ... e estávamos no Arado.
E caminhamos para o regresso:
"estreito" entre o Rio do Conho e o Rio Laço
O espectacular vale do Rio Laço, visto do "estreito"
O meu "velho conhecido" prado frente à Cabana de Pinhô
Descida para o Rio Conho e Ponte de Servas: ao fundo do vale, espreitam a Roca Negra (à esquerda) e o Cutelo de Pias
Antes das duas da tarde estávamos no ponto de partida. E estávamos no fim de um fim de semana fabuloso, com amigos fabulosos, nas fabulosas terras do Gerês! Curiosamente - ou talvez não - baptizámos esta "aventura" com o nome de "Pelo Gerês com Alma ". Embora a designação dissesse respeito à Alma de Montanhista que a norteou ... a alma do Luís Fialho planou seguramente até estas montanhas mágicas, que por várias vezes o levei a atravessar ... onde um dia nos levou a fazer, na Serra Amarela, o minuto de silêncio mais maravilhoso que alguma vez vivi.
Ramisquedo, Serra Amarela, 12.06.2010 ... durante o
minuto de silêncio mais maravilhoso que alguma vez vivi!
Até sempre Luís, meu querido Luís. Este artigo nestas minhas memórias é-te dedicado. Tu vives e viverás sempre connosco!
Álbum completo

A imagem do Luís nesse minuto de silêncio, a ouvir a Natureza, a ouvir as suas rochas, não mais me saiu nem sairá da memória ... "As rochas cuja história o Luís tão bem conhecia, como um pai conhece a história de um filho. Talvez esse rio no meio das rochas não fosse mais do que as lágrimas destas por terem ficado órfãs."
(Pedro Mousinho)
(13.03.2015 ... uma semana depois da minha partida para o Gerês ... uma semana depois da partida do Luís para a sua caminhada eterna)

3 comentários:

Anónimo disse...

Com reportagens assim, ficamos a conhecer os locais, como se lá estivéssemos estado alguma vez.
Obrigado
Joao J. Fonseca

Anónimo disse...

Também um dia fui como vós. Também um dia, ainda pequenina, as serras e os montes me encantaram. Durante algum tempo, imagens como as deste site inspiraram-me para conseguir partir em tais aventuras. Já adulta, fiz o possivel para manter uma profissão que me pudesse dar as asas que os meus pais, com poucos meios, não me puderam dar. E por escassos anos, pude viver esse sonho. Sonhei e levei, através do meu esforço e dedicação, através de estudos e trabalho, finalmente á tão desejada profissão que seria o campo-base destas paixões, tinha conseguido finalmente. Por fragas do Gerês e cumes nevados dos Pirineus, por serranias beirãs e alguns outros lugares tão lindos - e porque a vida é para viver como somos e amamos-, levei a minha alma e o meu coração finalmente ao alto de toda aquela magia que todos nós, apaixonados da montanha, tanto amamos. Cada momento, cada floco de neve, cada por-do-sol nas encostas, cada riso partilhado com os companheiros de aventura, ou somente o silencio e o amanhecer ao sair da tenda, o ar fresco, a felicidade...Foi então, ainda nesses escassos anos, a crise economica se abateu como uma torrente negra sobre esses sonhos e os levou. Desde então e apesar dos meus esforços,não possivel um verdadeiro regresso. Passam os dias, os meses, os anos, a luta, e a profissão, campo-base sustentavel desta felicidade, não regressou. Permanece e cresce a saudade e a ânsia de um amanhã que a crise afastou de mim, cada vez mais,de fazer um regresso verdadeiro e definitivo a estes lugares de sonho e beleza, tais como os das vossas fotos, que fazem valer a pena sentir a vida, lugares onde realmente podemos ser nós, contemplar, amar,viver!...

José Carlos Callixto disse...

Obrigado João Fonseca e obrigado também ao ou à anónimo(a) que escreveu as belas palavras deste último comentário. Pena serem anónimas.