segunda-feira, 10 de junho de 2013

Três dias pelas rotas ... e pelas brumas do Caramulo...

Fim de semana prolongado pelo feriado de 10 de Junho (este mantém-se...) ... e a "família" caminheira "Gaspar Correia" tinha no calendário três dias de actividade em terras do Concelho de Tondela, nas Rotas do Caramulo.
A magia da Serra do Caramulo, na aldeia de Eira dos Picos, 8.06.2013
De origem granítica e xistosa, com uma fauna e flora diversificada, a Serra do Caramulo é povoada por pequenas aldeias típicas da região, algumas ainda com vestígios de presença romana. Rica em linhas de água de excelente qualidade, a sua atmosfera saudável levou a que ali fossem construídos vários sanatórios, alguns dos quais hoje abandonados, outros requalificados para funções sociais, outros ainda transformados em unidades hoteleiras. A paisagem da Serra do Caramulo é um monumento à Natureza ... envolvida nestes três dias nas brumas de um inverno que teima em se prolongar pelo quase verão do calendário. Tivemos efectivamente um tempo frio e húmido, as panorâmicas não se abriam a grandes distâncias, mas as encostas verdejantes e os densos bosques revelaram-nos belos quadros de magia e misticismo.

As encostas libertam os seus mistérios
Fizemos base em Tondela, sede do Concelho, no excelente Hotel Severino José. Por pertencer à mesma empresa do parque de campismo "Retiro da Fraguinha", no não muito distante Maciço da Gralheira, este Hotel relembrou-nos, a mim e à minha "sócia", o originalíssimo "Encontro de contadores, lareiras e sabores", em que participámos em Outubro de 2009.
A origem lendária do nome Tondela tem alguma curiosidade: junto ao chamado chafariz das sereias estava uma mulher com uma trompa na mão, que vigiava a região da investida dos mouros; ao avistá-los tocava a trompa e, ao "tom dela", o povo juntava-se para combater o inimigo. Hoje, a Câmara tem homologados diversos percursos pedestres de pequena rota, que permitem desfrutar de toda a beleza natural do concelho.
Foram essas rotas que percorremos nestes três dias, numa sábia mistura de percursos, que nos embrenharam nas paisagens rurais, no bucolismo de uma Natureza austera, nas calçadas que acusam a repetida passagem de animais de trabalho, indispensáveis no granjeio dos campos agrícolas que se formam aproveitando pequenas parcelas em socalcos, vencendo e disfarçando o declive. A primeira rota, no sábado, foi a PR6, "Rota dos Moinhos", próximo da aldeia de Souto Bom. Sete dos treze moinhos de água daquela aldeia serrana, que durante décadas produziram farinha para alimentar gentes e animais, são agora espaços de conhecimento de temáticas como as energias renováveis, ou a reciclagem.
Na ruralidade dos campos próximos da aldeia de Souto Bom
Moinhos temáticos da Ribeira da Pena
Terminada a caminhada, o dia de sábado levou-nos ainda a conhecer uma das actividades mais tradicionais da zona, a olaria dos barros negros de Molelos. E domingo era o dia da caminhada principal, que reuniu troços do PR2 - "Rota do Linho" - e do PR1 - "Rota dos Laranjais". Começámos a jornada junto à igreja matriz de Castelões, para logo subirmos ao Santuário do Sagrado Coração de Maria, sobranceiro ao vale da Ribeira de Castelões e às terras de Besteiros.
Na Rota do Linho, 9.06.2013: o dia estava convidativo à meditação...
Ao longo da encosta surgem-nos grandes manchas de carvalho, eucalipto e pinheiro bravo, aparecendo pontualmente os sobreiros e medronheiros. A grande humidade contribui para a proliferação de diversas espécies de cogumelos ... e as condições meteorológicas contribuíam para que nos bosques pudéssemos imaginar fadas e duendes em alegre convivência.

À entrada da aldeia de Múceres, na antiga escola primária, visitámos o Centro de Laboração do Linho, que nos apresenta todo o seu ciclo, desde a plantação à execução de trabalhos ao vivo.

Ciclo do linho:
da flor aos trabalhos artesanais
As margens da Ribeira de Múceres, em direcção à respectiva mini hídrica, envolveram-nos numa belíssima paisagem, quase tornada mágica pelas características do dia. Caminhos rurais e vestígios de antigos moinhos de água completavam um quadro de sonho e imaginação.

Ribeira de Múceres
Sempre por antigos caminhos, continuámos para o vale da Ribeira de Castelões, ligando a Rota do Linho à dos Laranjais. A açude e as quedas de água do Poço Silveira foram o local escolhido para a merenda ... e que melhor local poderia haver?...

Açude e quedas de água de Poço Silveira, na Ribeira de Castelões
A caminhada prosseguiu pelo caminho fundo para a aldeia de Quintal, cuja toponímia nos reporta à família de Antero de Quental, que com a sua presença deu origem ao nome destas paragens. Logo a seguir, subindo o caminho do povo, encontrámos a solarenga casa da Quinta da Cruz, com uma grande extensão de castanheiros e um eucalipto centenário com uma dimensão imponente, que a 1,5m do solo apresenta um perímetro de 12m.

Quinta da Cruz
Quantos seriam precisos para
abraçar o eucalipto centenário?
Ao passar a quinta, até chegar ao Cruzeiro, percorremos o Caminho das Ladaínhas, também percorrido pelos fieis no dia da Festa da Cruzes, que saindo da Igreja Matriz segue em procissão, até Guardão. Esta é uma das celebrações religiosas mais importantes da zona, que decorre na Quinta-feira de Ascensão, em Maio e na qual participam várias freguesias. Continuando pelos carreiros, pouca é a distância a percorrer até Vila de Rei, aldeia com inúmeros exemplos de casas que conservam a traça tradicional, utilizando maioritariamente o granito na sua construção.
Cruzeiro do Caminho das Ladainhas
Depois ... houve que vencer a "ligeira inclinação" em direcção à aldeia de Figueiral e à sua Capela de S. Simão.
Aldeia de Vila de Rei
Mais a montante, voltando a acompanhar a Ribeira de Castelões, segue-se pelo caminho dos moinhos onde, como o nome indica, se observam alguns moinhos antigos, agora desactivados e aguardando recuperação. Mas o atractivo deste troço é o que dá o nome à Rota, antigos pomares de citrinos plantados em socalcos, ao longo da ribeira, hoje envolvidos por densos carvalhais.

Ao longo da Ribeira de Castelões, entre Figueiral e Ribeiro
Laranjais próximo da aldeia de Ribeiro
Atravessando o rio na Costa, seguimos pelo Rego de Regadio, nome dado pelo povo ao caminho acompanhado, de um lado e em toda a sua extensão pelas águas de rega dos campos, do outro pelas águas da ribeira e pontualmente alguns moinhos. Por fim surge a aldeia de Ribeiro ... e rapidamente estávamos de novo na igreja matriz de Castelões, onde tínhamos começado, com 17 km percorridos.

9.06.2013 - Com 17 km percorridos, estávamos de regresso ao ponto de partida
Para a 2ª feira do dia de Portugal, a meteorologia previa uma ligeira melhoria ... mas as formas fantasmagóricas continuaram a aparecer-nos nas encostas e nos bosques do Caramulo. Decididamente não veríamos o Sol ao longo desta actividade ... nem muito menos o Atlântico a oeste e a Serra da Estrela a leste, como era suposto vermos do alto do Caramulinho, o ponto mais alto da Serra, a 1075 metros de altitude, onde iniciámos a terceira e última caminhada, na "Rota dos Caleiros", antigas condutas em granito que garantiam o abastecimento de água às povoações serranas.
10.06.2013, 9:00h - Vamos subir ao Caramulinho ... no meio das nuvens...
Gnomo no vértice do
Caramulinho
Do Caramulinho seguimos por estradão que acompanha as pastagens de montanha, evidenciando a tradição da pastorícia e do trabalho agrícola nestas terras de clima rigoroso, onde o granito sulcado acusa a passagem de carros puxados por animais. Pouco depois de cruzarmos a estrada asfaltada, entramos nos caminhos que acompanham o trajecto dos antigos caleiros, em direcção à aldeia de Jueus. No adro da capela, foi um dos raros momentos em que os horizontes se abriram um pouco, permitindo-nos ver uma bela panorâmica, o que resta da calçada romana e a ruína do casario que foi uma outra aldeia, agora desabitada, o Carvalhal.

Formas fantasmagóricas nas brumas do Caramulo...
Percorrendo os velhos caminhos da Serra
Orquídeas silvestres
Panorâmica de Jueus para a aldeia abandonada de Carvalhal
Memórias perdidas no tempo...
A caminhada dirigiu-se seguidamente para a aldeia de Pedrógão, onde a singularidade da "engenharia natural" colocou o Penedo do Equilíbrio. Mais adiante surgiu-nos novo aqueduto, desta vez construído ao longo de um muro de granito e exibindo a minúcia e engenho que permitiam trazer dos pontos mais elevados da serra a água que servia à população para irrigar os campos, dar de beber aos animais e também par uso nas lides domésticas. Até à aldeia de Cadraço, percorremos os últimos metros de um percurso voltado para o contacto com a Natureza e a beleza natural destes lugares perdidos no tempo.

Penedo do Equilíbrio,
aldeia de Pedrógão
Ao longo dos Caleiros que dão o nome à Rota PR4
Aldeia de Cadraço
Na aldeia de Cadraço deixámos o PR4 e fizemos a ligação ao PR3, a "Rota das Cruzes", rumo à vila do Caramulo. Deparou-se-nos uma sucessão de paisagens desde as pastagens, logo ao lado de grandes extensões de vegetação rasteira típica de altitude, até uma extensão considerável de carvalhal em que marcam presença o carvalho negral e o carvalho alvarinho, num troço de rara beleza e "magia".

Aldeia de Cadraço, na Rota das Cruzes
Entre Cadraço e a vila do Caramulo: há magia nos bosques e na atmosfera pura das encostas serranas
Sempre por caminhos florestais passámos por Ceidão e Pinhal Novo, até à vila do Caramulo. Esta situa-se na vertente oriental da Serra e continua ainda hoje associada, através das imponentes construções dos antigos sanatórios, ao que foi a partir de 1920 a maior estância sanatorial do país, que chegou a permitir o internamento simultâneo de 2500 doentes.
Vila do Caramulo à vista, 10.06.2013, 12:50h
Apesar de não termos visto o Sol nem as amplas panorâmicas, estes foram de qualquer modo três dias de paisagens magníficas, envolvidas nas brumas de um final de Primavera extraordinariamente húmido. Desde uma remota excursão com alunos há 20 anos, não tinha voltado aos trilhos desta Serra ... à qual ficou a vontade de voltar.
Nas Rotas da Serra do Caramulo
Uma palavra final de apreço pelo meritório trabalho da Câmara e Juntas de Freguesia do Concelho de Tondela, na marcação e manutenção destes belos percursos pedestres. Fomos aliás acompanhados por elementos da Câmara e da Junta de Freguesia de Castelões, de uma simpatia e dedicação dignas de registo. Assim funcionassem todas as autarquias, em prol da preservação e da divulgação do seu património natural, histórico, cultural e tradicional. Aqui ficam ainda o álbum completo de fotos desta actividade e o vídeo do que foram estes três dias ... pelas rotas e brumas do Caramulo.

3 comentários:

Raul Fernando Gomes Branco disse...

Uma reportagem fotojornalística de grande nível e utilidadepara quem queira voltar a estas terras "como eu"!
Parabéns.
Raul

darasola disse...

Muito boa reportagem. Estou a pensar ir dar à sola para o Caramulo há muito tempo. Pode ser que seja em breve.
Boas caminhadas
darasola

Zé Rey disse...

Zé Carlos, és realmente um excelente "contador", mereces a minha admiração e o meu respeito.
Desta vez contas aqui a Serra do Caramulo, à qual estou ligado de perto e apercebo-me que ainda tenho muito para visitar.
O meu abraço e quando regressares avisa ;-)